O PODER DAS BOLINHAS

10-10-2014 15:27

Medicina - Homeopatia

O poder das bolinhas

Os tratamentos com glóbulos de açúcar e soluções ultra-diluídas, prescritos pela homeopatia, provocam desconfiança em muita gente. Mas atenção: pesquisas recentes sugerem que os remédios homeopáticos funcionam.

por Jomar Morais

Há quatro anos, o químico Shui Yin Lo entrou pela primeira vez no laboratório de jatopropulsão do Instituto de Tecnologia da Califórnia, o Caltech, na cidade americana de Pasadena, com um crachá de pesquisador visitante na camisa e uma idéia ambiciosa na cabeça. Sua intenção: desenvolver um aditivo que iria revolucionar o desempenho dos motores de automóveis, tornando-os mais potentes e econômicos. À frente de uma equipe de físicos e químicos, Lo trabalhou duro por alguns meses, mas, no final, chegou a um resultado apenas razoável. Patrocinado pela American Technologies Group, empresa da Califórnia que depois o contrataria como seu diretor de pesquisa e desenvolvimento, ele concebeu a fórmula do The Force, um aditivo que, por não ser assim tão diferente dos concorrentes, acabou fracassando.

Se não conseguiu vincular seu nome a nenhum invento extraordinário no mundo dos transportes, o cientista saiu do Caltech como autor de uma descoberta que pode apressar o desfecho de uma das mais acirradas polêmicas da área médica: a controvérsia sobre a eficácia da homeopatia, sistema terapêutico criado no século XVIII pelo médico alemão Samuel Hahnemann.

Na contramão da medicina convencional – a chamada alopatia –, que combate enfermidades com remédios que provocam no organismo o oposto dos sintomas da doença –, a homeopatia surpreende ao prescrever tratamentos com substâncias que podem causar no homem sadio exatamente os sintomas do mal a ser debelado. Diante de alguém com dor de cabeça, um homeopata jamais receitará aspirina, um analgésico, como faria um médico alopata. Ao contrário, poderá indicar ao paciente uma solução à base de gelsêmio, planta venenosa que ataca os centros nervosos, provocando dor e disfunções mentais – é o que os homeopatas chamam de “princípio da similitude”. Outra diferença gritante da homeopatia em relação à prática médica habitual está no preparo dos remédios. Suas fórmulas são tão diluídas, que muita gente duvida que exerçam alguma ação no organismo.

Dificilmente uma dessas substâncias produziria dano a quem se expusesse a uma overdose ou tomasse o remédio errado, o que não ocorre, obviamente, se alguém ingerir por engano um comprimido contra hipertensão. Enfim, para um homeopata, a doença, qualquer que seja, é vista sempre como a manifestação de um desequilíbrio energético e não resultado da ação de bactérias e vírus, conforme ensina a medicina convencional. O remédio diluído seria, assim, o agente que ajuda a promover o reequilíbrio de um sistema de forças, estimulando as defesas naturais do organismo.

Estranho? Pode ser. Mas a cada dia cresce o número de pessoas que adotam os procedimentos homeopáticos e se dizem satisfeitas com os resultados no combate a diversas doenças. Só nos Estados Unidos, onde a tecnologia de ponta e a pesquisa intensiva sustentam a medicina alopática mais avançada do mundo, o total de homeopatas em atividade saltou de 300 para 5 000 nas últimas duas décadas, enquanto as vendas de bolinhas e gotinhas subiram 30%. No mesmo período, a Europa assistiu à multiplicação de clínicas e hospitais especializados e o Brasil, país onde atuam mais de 10 000 homeopatas, viu a homeopatia ser reconhecida como especialidade médica, com direito a representação no Conselho Federal de Medicina. Tamanho aumento da procura e os sinais de aprovação dos usuários, porém, não livraram os homeopatas de um velho incômodo: a oposição do establishment médico e da maioria dos pesquisadores, para os quais até agora ninguém conseguiu provar, à luz da ciência, que a homeopatia de fato funciona.

“Os remédios dinamizados (ultradiluídos), propostos por Hahnemann não passam de água pura ou bolinhas de açúcar. Homeopatia é fraude”, afirma Stephen Barret, membro do Conselho Nacional para Informações Confiáveis na Área da Saúde, de Allentown, Estados Unidos. O argumento de Barret é o de que exames químicos nunca identificaram nas fórmulas homeopáticas uma única molécula de essência medicinal. A recuperação de pacientes medicados com tais substâncias, segundo os críticos, só pode ser atribuída a erros de avaliação ou ao efeito placebo – a cura psicológica que ocorre quando o paciente se convence de que irá melhorar, mesmo que o medicamento seja inócuo. Os homeopatas sempre tiveram aí o seu calcanhar-de-aquiles. A impossibilidade de comprovar em laboratório conceitos como força vital e transporte de informação energética, usados para explicar a ação dos medicamentos dinamizados, constitui o maior obstáculo ao diálogo entre a homeopatia e a medicina alopática moderna, baseada em evidências.

Mas é justamente esse impasse que pode ter ficado mais próximo do fim após o achado de Shui Yin Lo.

Lo queria somente encontrar o aditivo perfeito; mas, ao estudar o comportamento molecular da água em soluções que ultrapassam o número de Avogadro – a lei da química segundo a qual depois da décima segunda diluição não existem mais moléculas da substância dissolvida presentes no líquido diluente –, ele percebeu que se encontrava em outra trilha. Através das lentes do microscópio eletrônico, o químico descobriu que as moléculas de água, normalmente dispostas de modo aleatório em estado normal, após a ultradiluição passaram a formar “cachos” de seis a 100 unidades, todos alinhados de forma original e exibindo características específicas, como campo elétrico singular e adesão firme a superfícies. Ainda mais impressionante é o fato de que tais cachos se replicavam a cada nova diluição, mesmo que na água não mais existissem resquícios da substância adicionada no início.

Não se trata de uma experiência isolada. Em novembro passado, o químico alemão Kurt Geckeler e seu colega Shashadhar Samal esbarraram em efeito semelhante ao estudar o comportamento de diluições de fulerenos – um material formado por átomos de carbono – no Instituto de Ciência e Tecnologia de Kwangju, na Coréia do Sul. Eles constataram que a cada nova diluição mais as moléculas se aglomeravam. O mesmo fenômeno foi observado em diluições de moléculas orgânicas, como a ciclodextrina, e inorgânicas, como o cloreto de sódio. Ou seja, há uma base cada vez mais firme para a crença contra-intuitiva de que uma substância pode se tornar mais potente ao ser diluída e a de que uma molécula ultradiluída pode mesmo alterar as propriedades da água.

Em outro estudo recente, realizado na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, o imunologista Benjamin Bonavida constatou que a água com cachos moleculares – descoberta por Lo – possui outra característica, não menos surpreendente: a solução é capaz de estimular células do sistema imunológico, em tubos de ensaio, até 100 vezes mais do que água pura, revelando assim uma atividade biológica que ainda está para ser explicada.

Essas novas pesquisas deram impulso aos que querem ver a homeopatia reconhecida pela ciência. Em suas diluições, Lo usou as mesmas técnicas da farmacotécnica homeopática, como os movimentos centesimais, sempre rompendo a barreira do número de Avogadro. “A pesquisa mostra que as soluções homeopáticas não são água comum, mas um líquido alterado em sua estrutura que realmente pode modificar tecidos, órgãos e todo o corpo”, afirma William Gray, homeopata de San Francisco, Estados Unidos, e autor do livro Homeopathy: Science or Myth? (“Homeopatia: ciência ou mito?”, não traduzido para o português). Desde o início, a teoria homeopática tem afirmado que, nas soluções ultradiluídas, a água guarda a “imagem” do soluto (a substância dissolvida), tornando-se um veículo de transmissão de suas propriedades ainda que não mais contenha moléculas da substância original.

A experimentação clínica também já havia dado a Hahnemann, no século XVIII, a certeza de que quanto mais diluída a fórmula, maior a sua potência medicinal, algo que só agora ganha uma explicação aceitável pela ciência acadêmica, com a descoberta dos cachos auto-replicantes.

Os novos estudos não estão imunes a críticas de quem exige mais provas em favor da homeopatia. “Dizer que essa experiência comprova a eficácia dos remédios homeopáticos é uma tolice”, afirma Barret. “Se uma simples molécula de alguma substância pode imprimir à água propriedades medicinais, então teremos de admitir que ao tomarmos um copo d’água estamos ingerindo um remédio poderoso e de efeito imprevisível”, diz (os homeopatas rebatem afirmando que as fórmulas dinamizadas utilizam água destilada e são submetidas a vigorosos movimentos que facilitam a transferência da informação molecular). O próprio Bonavida prefere admitir que o fato de a água com cachos apresentar atividade imunobiológica não significa necessariamente a comprovação definitiva dos preceitos homeopáticos.

De qualquer modo, os experimentos colocam a homeopatia mais próxima da validação científica. No passado, outras pesquisas do gênero não exibiram o mesmo vigor. Há 13 anos, o biólogo Jacques Beneviste, pesquisador do renomado instituto francês Inserm, chamou a atenção da comunidade médica ao publicar na revista Nature seus estudos com uma solução ultradiluída de soro contra imunoglobulina que sugeriam a existência de uma certa “memória da água”. A teoria acabou esbarrando no rigor dos cientistas. Na época, Beneviste disse ter comprovado um efeito imunobiológico da solução sobre células brancas do sangue, em comparação com grupos de controle – uma descoberta que, por inferência, confirmaria a ação dos fármacos homeopáticos no organismo. Mas a experiência não pôde ser repetida por outros pesquisadores e acabou descartada no circuito acadêmico.

Outro ponto polêmico da homeopatia, a cura pela lei dos semelhantes, também ganhou nos últimos tempos explicações atualizadas. O princípio da similitude não é uma invenção de Hahnemannn e sim do filósofo grego Hipócrates (460-377 a.C.), considerado o pai da medicina. Sua utilização em homeopatia, no entanto, sempre ocorreu de modo empírico, já que até há pouco nenhuma teoria conseguia mostrar de forma plausível como a cura pelo semelhante podia acontecer. Agora, busca-se uma resposta a partir das reações do organismo aos próprios medicamentos alopáticos, cuja atuação se baseia na lei dos contrários.

A hipótese preferida dos homeopatas é a de que a cura decorre da reação secundária do organismo à substância farmacológica – o chamado efeito rebote. O exemplo mais comum desse fenômeno é a exacerbação dos sintomas de algumas doenças sempre que o paciente suspende a medicação que vinha tomando ou passa a tomá-la de modo irregular. Isso acontece com as drogas utilizadas para controlar a hipertensão arterial, os tranqüilizantes e antidepressivos, os broncodilatadores e até com antiácidos empregados contra gastrites e úlceras. Num esforço para manter a homeostase – o equilíbrio do meio interno –, nessas ocasiões o organismo reage promovendo sintomas opostos aos esperados com a aplicação do remédio.

“O efeito rebote é a reação da energia vital, que pode ser estimulada pelo medicamento homeopático sem os incômodos dos remédios alopáticos”, diz Célia Barollo, diretora da Associação Paulista de Homeopatia. Essa relação é discutida no livro Semelhante Cura Semelhante, do homeopata Marcus Zulian Teixeira, mas a hipótese de que ela explica a cura pelo princípio da similitude suscita divergências entre os próprios homeopatas. “As doses infinitesimais jamais provocam reação secundária”, afirma Romeu Carillo Júnior, diretor da Associação Brasileira de Reciclagem e Assistência em Homeopatia (Abrah) e responsável pelo curso de pós-graduação em Homeopatia do Hospital do Servidor Municipal de São Paulo. “Esta, aliás, é a grande vantagem da experimentação com doses dinamizadas, uma vez que os sintomas obtidos são provocados apenas pelo efeito primário do medicamento.”

Se fosse o contrário, exemplifica Romeu, um paciente com insônia medicado com Coffea cruda (café), o remédio homeopático para esse tipo de distúrbio, passaria a ter sonolência – a reação secundária do organismo – e não o restabelecimento do sono fisiológico, sem excesso. A tradição homeopática ensina que as fórmulas diluídas devem apenas promover o reequilíbrio da “energia vital”, despertando a reação natural do organismo. As descompensações acontecem, segundo Romeu, devido ao bloqueio de vias que interligam os sistemas funcionais que compõem o organismo – e, nesse caso, o remédio dinamizado atua como agente estimulador do desbloqueio. Sua presença seria captada por receptores biológicos em níveis celular e extracelular, previamente sensibilizados pela própria doença.

A verdade é que, apesar do aumento recente de estudos clínicos nessa área, a homeopatia ainda carece de um suporte razoável de pesquisas realizadas sob critérios aceitáveis pela ciência oficial. Seus críticos cobram mais ensaios do tipo duplo-cego, aqueles nos quais o resultado obtido com pacientes tratados com o remédio é comparado ao de um grupo de controle em que os doentes tomaram placebo sem que nem os pacientes nem os pesquisadores saibam qual é qual. O neurocientista Renato Sabbatini, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que, entre mais de 4,5 milhões de estudos médicos e biológicos arquivados na Medline, uma base de dados produzida pela Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, referentes ao período 1972-1997, encontrou apenas 61 pesquisas sobre homeopatia que obedecem o padrão científico.

Destas, só quatro atestavam uma ação dos remédios homeopáticos superior ao placebo em casos de diarréia infantil, inflamação de ouvidos, coceira e irritação da pele provocadas por picadas de mosquito. É ainda muito pouco para atestar a eficiência da homeopatia. Há também indícios de que a terapia funciona contra rinite alérgica.

Os homeopatas admitem a escassez apontada por Renato, mas alegam que isso acontece porque as instituições de pesquisa e os grandes laboratórios farmacêuticos se recusam a patrocinar estudos relacionados à homeopatia. O obstáculo se repete nas universidades, onde se contam nos dedos as faculdades de medicina que têm a homeopatia em sua grade curricular. O critério de estudo duplo-cego também é contestado. “Isso hoje é discutível”, diz Romeu. “Artigos recentes da revista Science revelaram que grupos tratados apenas com placebos apresentam diferença de resultados bastante significativa, o que torna o método passível de crítica.”

À margem do debate acadêmico, os usuários que engrossam as estatísticas homeopáticas aqui e lá fora aderem aos seus tratamentos motivados por atrativos que têm a ver, sobretudo, com a qualidade de vida. Ao contrário da medicina convencional, a homeopatia não é uma terapêutica invasiva, dispensando cirurgias, exames incômodos e drogas que provocam efeitos colaterais quase sempre perigosos. Sua abordagem é sistêmica e tem como foco o paciente e não a doença em si – detalhe que faz toda a diferença na relação médico-paciente. Ela é muito mais próxima e afetuosa do que na medicina alopática, cujos diagnósticos dependem hoje mais da tecnologia que da acuidade do médico. Uma consulta homeopática pode envolver perguntas sobre hábitos do dia-a-dia, incluindo até questões prosaicas como sonhos ou a sensação experimentada pelo paciente no pôr-do-sol. A importância dada aos sintomas mentais é tanta que a conversa com o homeopata, muitas vezes, assemelha-se a uma sessão com o psicológo.

Ah! Há outro detalhe: a homeopatia é barata. O preço de um frasco com glóbulos homeopáticos (as bolinhas de açúcar) varia de 7 a 10 reais. Já uma caixa de antibiótico... bem, você sabe.

Quando surgiu, há mais de 200 anos, a homeopatia significava um enorme progresso em relação à medicina da época, notável por suas técnicas torturantes, como as sangrias, prática que consistia em drenar o doente para extrair até dois terços do seu “sangue impuro”. Só por milagre alguém conseguia escapar. Em meio a esse teatro de horrores, a aceitação da homeopatia foi rápida e ampla, ao ponto de, no início do século passado, um em cada seis médicos nos Estados Unidos ser homeopata. A situação mudou com a descoberta dos antibióticos e as vacinações em massa, que consolidaram a crença de que a tecnologia moderna era capaz de vencer sozinha a doença. Apesar dos desencontros doutrinários entre as duas vertentes da medicina ocidental, é provável que se esteja caminhando agora rumo ao equilíbrio. “Conforme o caso, os tratamentos alopático e homeopático não são incompatíveis”, afirma Célia.

“Se o paciente necessita de uma terapia de reposição, como a insulina e o hormônio tireoideano, o caminho é a prescrição alopática.” A recíproca também tem sido verdadeira, segundo o cardiologista homeopata Rafael Karelisky, de São Paulo. “Todos os dias recebo em meu consultório pacientes encaminhados por colegas da medicina convencional”, diz. Se essa tendência persistir, talvez o médico do futuro nem ao menos venha a ser rotulado de alopata ou homeopata pelo simples fato de enquadrar-se no perfil proposto por Antonio Cesar Deveza Silva, um homeopata paulistano: ele será um profissional que domina todas as formas de medicina e sabe usar, com precisão, a mais adequada a cada caso.

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